V
...
Não acredito em Deus porque nunca o vi...
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvoes e as flores
E os montes e o luar e sol,
porque lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e mosntes e sol e luar;
porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e àrvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que o conheça
Como àrvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso obedeço-lhe,
(que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.
IV
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos
por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e clamos.
como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir e ter quando acabemos...
e não nos dará mais nada, porque dar-nos mais
seria tirar-nos mais.
In: O Guardador de Rebanhos. Alberto Caeiros (Fernando Pessoa).
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